Não é que eu ache que que falar de mim mesmo seja tão interessante, por considerar-me uma pessoa extraordinária. É que eu sou o ser humano com o qual eu sempre tive mais afinidade, apesar de não me conhecer tão bem assim. É diferente de se sentir extraordinário. Eu não sou extraordinário, mas tenho potencial para ser e sei disso. É o que tem me impedido de desenvolver esse potencial, o assunto a ser discorrido.
Saber-se ansioso é uma coisa. Saber como proceder já é outra, infinitamente mais complexa. “Quem procura, acha”, diz o ditado. Procurando, eu descobri que eu tenho um quadro psicossomático composto por vários transtornos comportamentais decorrentes do quadro inicial de ansiedade. Qualquer pessoa, principalmente aquelas com um ímpeto absurdo de apenas se fazer reconhecer na desgraça, pode acessar a qualquer momento o Google, e descobrir que a maioria daquelas coisas que te fazem rolar na cama, antes de dormir, que te fazem mandar os pais irem à merda, sem motivo para tal, ou que te permitem dar chiliques em público, têm nome reconhecido pela ciência. Têm status. E num momento de fraqueza, quando seu cabelo não fica sem frizz, ou seu pau não tem praticado atividade coletiva, por exemplo, você acaba se incluindo naquele gênero social de pessoas portadoras de condições especiais (P.P.C.E.). Dessas que vêm desafiando a ciência, a família e os relacionamentos amorosos, desde o tempo em que “ser humano” passou a ser matéria de vestibular.
É melhor que astrologia! Essas “Condições Especiais” garantem que há pessoas preocupadas com o que você acha ter. Pessoas sérias, como os químicos e os psiquiatras. Mas você não pode afirmar que tem uma “Condição Especial”, sem antes consultar um profissional em psiquiatria, pois nem todo mundo leva muito a sério quem depende apenas do Google, para saber mais a respeito de si próprio. Essa é a condição obrigatória para você entrar no clube das P.P.C.E.. É claro! Quem vai contradizer o teu psiquiatra? Ou os químicos que fazem teus remédios? Eu completei todas as etapas requeridas e, por fim, me tornei mais um querido membro desse notório clube. Foi uma época maravilhosa. Dormir mais de doze horas por dia é natural para quem sofre de desamparo aprendido. Não dar cabo dos meus projectos é um sintoma frequente em pacientes com depressão nervosa. Não precisar controlar meus tiques, apesar de ridicularizarem-me, é um processo indissociável da Síndrome de la Tourette (esse, aliás, é um capítulo, se não um livro, à parte).
Após dois anos de alforria, muita droga, muito tique, muito sono e pouca alegria, decidi consultar um profissional menos creditado no contexto glamoroso dos laboratórios farmacêuticos, e da medicina psiquiátrica. Fui a uma terapeuta. Queria compreender por que minha satisfação degradava-se, proporcionalmente à medida em que o descaso com a minha vida aumentava. O questionamento, em si, era a própria resposta.
Eu acredito que nem um comediante consegue ser cínico o tempo todo. Uma hora dessas, até ele tem que se levar a sério. Diferente da maioria dos políticos, por exemplo, que se levam a sério o tempo todo, mas colocam à prova suas idoneidades como se estivessem apresentando um sketch. Portanto eu encasquetei que se eu colocasse em prática, com seriedade, as concepções que minha terapeuta me ajudava a compreender, talvez ela ficasse mais contente de trabalhar comigo e, com seu auxílio, eu pudesse largar de ser esse bundão que venho sendo, desde que eu passei a integrar o clube das “Pessoas Portadoras de Condições Especiais”, há, pelo menos, três anos. É lento, mas tem resultado.