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A Doença, a Loucura e a Morte – parte II

Não é que eu ache que que falar de mim mesmo seja tão interessante, por considerar-me uma pessoa extraordinária. É que eu sou o ser humano com o qual eu sempre tive mais afinidade, apesar de não me conhecer tão bem assim. É diferente de se sentir extraordinário. Eu não sou extraordinário, mas tenho potencial para ser e sei disso. É o que tem me impedido de desenvolver esse potencial, o assunto a ser discorrido.

Saber-se ansioso é uma coisa. Saber como proceder já é outra, infinitamente mais complexa. “Quem procura, acha”, diz o ditado. Procurando, eu descobri que eu tenho um quadro psicossomático composto por vários transtornos comportamentais decorrentes do quadro inicial de ansiedade. Qualquer pessoa, principalmente aquelas com um ímpeto absurdo de apenas se fazer reconhecer na desgraça, pode acessar a qualquer momento o Google, e descobrir que a maioria daquelas coisas que te fazem rolar na cama, antes de dormir, que te fazem mandar os pais irem à merda, sem motivo para tal, ou que te permitem dar chiliques em público, têm nome reconhecido pela ciência. Têm status. E num momento de fraqueza, quando seu cabelo não fica sem frizz, ou seu pau não tem praticado atividade coletiva, por exemplo, você acaba se incluindo naquele gênero social de pessoas portadoras de condições especiais (P.P.C.E.). Dessas que vêm desafiando a ciência, a família e os relacionamentos amorosos, desde o tempo em que “ser humano” passou a ser matéria de vestibular.

É melhor que astrologia! Essas “Condições Especiais” garantem que há pessoas preocupadas com o que você acha ter. Pessoas sérias, como os químicos e os psiquiatras. Mas você não pode afirmar que tem uma “Condição Especial”, sem antes consultar um profissional em psiquiatria, pois nem todo mundo leva muito a sério quem depende apenas do Google, para saber mais a respeito de si próprio. Essa é a condição obrigatória para você entrar no clube das P.P.C.E.. É claro! Quem vai contradizer o teu psiquiatra? Ou os químicos que fazem teus remédios? Eu completei todas as etapas requeridas e, por fim, me tornei mais um querido membro desse notório clube. Foi uma época maravilhosa. Dormir mais de doze horas por dia é natural para quem sofre de desamparo aprendido. Não dar cabo dos meus projectos é um sintoma frequente em pacientes com depressão nervosa. Não precisar controlar meus tiques, apesar de ridicularizarem-me, é um processo indissociável da Síndrome de la Tourette (esse, aliás, é um capítulo, se não um livro, à parte).

Após dois anos de alforria, muita droga, muito tique, muito sono e pouca alegria, decidi consultar um profissional menos creditado no contexto glamoroso dos laboratórios farmacêuticos, e da medicina psiquiátrica. Fui a uma terapeuta. Queria compreender por que minha satisfação degradava-se, proporcionalmente à medida em que o descaso com a minha vida aumentava. O questionamento, em si, era a própria resposta.

Eu acredito que nem um comediante consegue ser cínico o tempo todo. Uma hora dessas, até ele tem que se levar a sério. Diferente da maioria dos políticos, por exemplo, que se levam a sério o tempo todo, mas colocam à prova suas idoneidades como se estivessem apresentando um sketch. Portanto eu encasquetei que se eu colocasse em prática, com seriedade, as concepções que minha terapeuta me ajudava a compreender, talvez ela ficasse mais contente de trabalhar comigo e, com seu auxílio, eu pudesse largar de ser esse bundão que venho sendo, desde que eu passei a integrar o clube das “Pessoas Portadoras de Condições Especiais”, há, pelo menos, três anos. É lento, mas tem resultado.

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Opa!

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Ficamos putássos, ás vezes.

Não há nada mais sério, que as poucas coisas que a gente leva a sério na vida.

Uma delas são nossos relacionamentos.

Uma imbecil citou minha ex-namorada, agora a pouco, fora de contexto, numa festinha, só para me magoar. E magoou.

Eu me retirei da festinha, bêbado, e fui pra casa. Aqui estou a escrever. Fui atrás de fotos dela (da ex) na internet, e achei uma foto na qual ela encara a câmera, como se estivesse me olhando nos olhos. Só quem já amou alguém sabe do que eu falo. É como se me olhasse, mas não olha. É irritante, é ilusório, é genuinamente babaca sentir raiva. Ela não está aqui, me olhando (tendo em vista que eu estou bêbado, o natural seria eu ter ligado pra ela e ter falado merda), mas mesmo assim me incomoda demais. Aí eu decidi encarar a foto, pra ver se eu quebrava o encanto.

Quanto mais eu encarava, mais eu me irritava e, mesmo sabendo que era só uma foto, não conseguia dissuadir a ideia de que, em algum lugar, ela estivesse fazendo mal pra mim.

O que é que se espera de um ex amor?

Que ela resolva o vazio que sua falta deixou?

Será que é justo exigir isso dela?

O que fazer com a “imbecil”?

Se amar fosse fácil, não haveria poesia.

Foda-se a imbecil.

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A Doença, a Loucura e a Morte

Não é que eu ache que que falar de mim mesmo seja tão interessante, por considerar-me uma pessoa extraordinária. É que eu sou o ser humano com o qual eu sempre tive mais afinidade, apesar de não me conhecer tão bem assim. É diferente de se sentir extraordinário. Eu não sou extraordinário, mas tenho potencial para ser e sei disso. É o que tem me impedido de desenvolver esse potencial, o assunto a ser discorrido.

Ansiedade é uma palavra que se aprende cedo, quando se é criado num contexto de merecimento, onde os pais não misturam educação com dinheiro, sendo apenas duas, as ocasiões anuais nas quais há garantia de se receber um presente. O aniversário e o natal. No natal é o Papai Noel quem presenteia, portanto dos meus pais, só havia garantia uma vez ao ano. Mas isso foi quando a vida era mais dura pra eles. Foi só durante a minha infância.

As economias começaram a melhorar, coincidentemente, quando meu papai foi embora. Não culpem um homem para atestar o sucesso do outro. O que é a culpa, afinal? Eu disse “coincidentemente”, não disse? Pois sim, as economias melhoraram, mas o estrago já estava feito. Eu aprimorei uma determinada habilidade de me contentar muito com muito pouco. Mas isso é porque eu sou otimista. Muitas crianças que eu conheci, depois das coisas “melhorarem lá em casa”, não aceitavam não ganhar presentes quando o noticiário os anunciava, não poder ter sua festa de aniversário com trezentos convidados, não poder viajar nas férias do meio e do fim do ano, e não poder ganhar um carro depois de cumprir sua obrigatoriedade educacional no ensino médio. Com essas crianças eu até me dava bem. As outras, porém, são grandes amigos até hoje.

Portanto eu aprimorei essa habilidade de me contentar muito, com muito pouco. O que era uma habilidade, passou a se tornar um transtorno. De transtorno para condição. E não há nada pior na vida que viver condicionado. Eu me lembro de uma aula de biologia. A professora era uma gata, meio doida, que sempre fazia conotações sexuais com o assunto em vigência. Ela falou do “Reflexo Condicionado”, eu nunca me esqueço. O reflexo condicionado é a maneira como o corpo animal reage espontaneamente, tendo sido condicionado através de estímulos sensoriais, referentes a um objeto de desejo, continuamente. É o cachorro vir correndo quando você finge estar segurando comida, num gesto de mão. Ela disse que é por isso que os homens se excitam com decotes, pois o corpo deles associa aquela nuance exposta do corpo íntimo, ao próprio ato sexual.

O reflexo condicionado é o ponto de partida de um discurso babaca como o da defesa do estupro, tendo em vista aquele mesmo decote. É a comida que não está na mão do dono do cachorro. “É aquela coisa da qual são feitos os sonhos”. A professora estava com decote. Eu vivo condicionado pela ideia de satisfação prematura que adquiri. “Pra que ser melhor, se assim já está bom?”. “Pra que divulgar minha produção, se meus amigos já estão achando legal?”. “Pra que ser feliz, se triste eu estou mais ou menos contente?”.

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